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  Número 98 ·   12-25 de Abril de 2006 ·   Suplemento do JL, N.º 927, Ano XXVI

No centenário de Senghor

A Língua Portuguesa no Senegal

José Horta


Estudantes de Português da Faculdade de Letras, 2º ano

Falar da presença da língua portuguesa no ensino superior e no ensino secundário do Senegal é, necessariamente, falar de Léopold Sédar Senghor.

Comemorando-se este ano o centenário do nascimento de Senghor (9/10/1906 - 20/12/2001), a efeméride justifica que se associe esta personalidade à situação da aprendizagem e do ensino do português no Senegal.

Falamos de Senghor, o poeta que reivindicava a sua gota de portugalidade no poema "Élégie des Saudades": "J’écoute au fond de moi le chant d’ombre des saudades./Est-ce la voix ancienne, la goutte de sang portugais qui remonte du fond des âges ?/Mon nom qui remonte à sa source ?/Goutte de sang ou bien Senhor […] ?/J’ai retrouvé mon sang, j’ai découvert mon nom l’autre année à Coïmbre, sous la brousse des livres.[…]// Mon sang portugais s’est perdu dans la mer de ma Négritude./Amália Rodrigues, chante ô chante de ta voix basse les saudades de mes amours anciennes […]//J’écoute au plus profond de moi la plainte à voix d’ombre des saudades." (Œuvres Poétiques, Paris, Seuil, 1990, pp. 203 e 206.)

Falamos de Senghor, o político que compreendeu, desde muito cedo, a importância do português como língua de comunicação entre os povos, em particular na sub-região em que o Senegal se encontra inserido.

Foi esta capacidade de antevisão – aliada a factores como a sua formação intelectual de humanista que partilhava a matriz africana e a dos valores da latinidade – que levou Senghor a decretar a introdução do ensino do Português no sistema educativo senegalês em 1961, um ano após ter sido eleito primeiro Presidente da República do Senegal. Nesse ano, a língua portuguesa passou a ser leccionada em dois liceus de Dacar, a um total de oito alunos, por Benjamin Pinto Bull. Hoje, são mais de 50 os estabelecimentos do ensino secundário, distribuídos por quase todo o Senegal, onde a língua portuguesa é estudada por mais de 14.000 alunos e leccionada por cerca de 125 docentes senegaleses.


Estudantes de Português da Faculdade de Letras, 1º ano

Ainda durante a presidência de Senghor foi criada, na Universidade Cheikh Anta Diop de Dacar (UCAD), em 1972-73, a Secção de Português do Departamento de Românicas da Faculdade de Letras, onde a língua portuguesa era, até então, disciplina opcional, leccionada pelo pioneiro Pinto Bull. Passou, assim, a haver uma licenciatura em Estudos Portugueses, sendo esta primeira geração formada por três estudantes. No presente ano lectivo, há 661 estudantes inscritos no Curso de Estudos Portugueses, dos quais 305 no primeiro ano. Ainda na Faculdade de Letras, há cerca de 250 estudantes de outros departamentos que aprendem o Português como disciplina de opção. A importância destes quantitativos compreende-se melhor quando se tem em conta que há, em 2005-2006, em toda a Faculdade de Letras, 19.876 inscritos.

Entretanto, em 1975, as instituições que precederam o Instituto Camões haviam passado a cooperar com a UCAD enviando leitores, através de um acordo cultural assinado com o Senegal.

Na Escola Normal Superior, encarregada da formação inicial e contínua dos professores de PLE e recentemente elevada a Faculdade de Ciências e Tecnologias da Educação e da Formação (FASTEF), o Português foi introduzido em 1976-1977, uma vez mais pelo Presidente Senghor, com Benjamin Pinto Bull como primeiro formador. Em 2005-2006, a FASTEF conta com quatro formadores e 36 estagiários que se preparam para, dentro de um a dois anos, iniciarem a docência de Português Língua Estrangeira.

É, sem dúvida, uma situação singular, a da presença da língua portuguesa no Senegal. Sobretudo quando se tem em conta que se trata de um país da área da francofonia, onde a comunidade portuguesa e as comunidades de luso-descendentes ou de estrangeiros falantes de português são quantitativamente insignificantes.


Estagiários da FASTEF

Não obstante, outros factores ajudam a compreender a forte implantação da língua portuguesa no sistema educativo senegalês.

Os primeiros contactos de Portugal com a região onde hoje se situa a República do Senegal remontam ao final da primeira metade do século XV e coincidem com o início da exploração da costa africana.

Estes contactos explicam a presença de vocábulos de origem portuguesa em algumas das línguas autóctones com mais forte implantação no Senegal, o mais curioso dos quais é, porventura, Tugël, palavra formada por redução de Portugal que, por metonímia, passou a designar a Europa.

São também razões históricas que explicam o facto de algumas populações da Baixa Casamansa, situada no sul do país, entre a Gambia e a Guiné-Bissau, terem como língua materna um crioulo de base lexical portuguesa afim do guineense, língua comummente designada de «português» que, apesar de ter vindo a perder vitalidade, tem, para muitos dos casamansenses, um valor simbólico que se traduz num efeito vitalizante e potenciador de uma identidade cultural própria.

A separação das regiões da Baixa Casamansa e da vizinha Guiné-Bissau resultou de um acordo político-diplomático luso-francês, de 1886, na sequência do qual a Casamansa passou, após vários séculos de presença portuguesa, a integrar o Senegal, de influência francesa, conservando-se, no entanto, a diferentes níveis, marcas da presença portuguesa na região. Assim, os laços históricos entre as duas regiões ajudam a compreender a invulgar presença da língua portuguesa no ensino secundário de Casamansa.

Por outro lado, a proximidade geográfica de Cabo Verde e da Guiné-Bissau propiciou que, desde o início do século XX, muitos cabo-verdianos e guineenses emigrassem para o país vizinho, constituindo, no Senegal, duas influentes comunidades, falantes de crioulos de base lexical portuguesa, que frequentemente se miscigenaram com as populações locais, sendo fácil registar apelidos senegaleses como Alvarenga, Barboza, Carvalho, Corréa, Gomis, Mendy, Preira, Sylva, Tavares, etc.

Para muitos senegaleses, o português é, mais do que uma das disciplinas que se aprendem ou que se ensinam nos "collèges", nos liceus ou na universidade, uma língua de adopção. Por isso, questionados os estudantes sobre as razões que os levaram a escolher o Português, obtemos respostas como: "é uma língua que me apaixona", "acho que não há outra língua mais importante do que esta", "é a língua mais bonita para falar de amor" ou "porque tenho nostalgia dela".

São essas pessoas que alimentam as actividades dos Clubes de Português, de um recém-criado Comité de Defesa e Promoção da Língua e Cultura Portuguesa e de uma Associação de Professores de Português e que justificam a presença do Instituto Camões no Senegal.

Actualmente, é o Instituto Camões que assegura quer a permanência de um Leitor na Faculdade de Letras e na FASTEF da UCAD quer o financiamento de múltiplas actividades, dirigidas prioritariamente aos estudantes de Português do ensino universitário e aos alunos e professores do ensino secundário do Senegal, actividades que, doravante, contarão com um importante suporte – o Centro de Língua Portuguesa de Dacar.

 

* Leitor do IC na UCAD e responsável pelo futuro Centro de Língua Portuguesa